Os aviões foram construídos para voar, mas entre os itens mais críticos para a sua segurança estão os pneus, que os suportam no solo. Embora tenham grande importância, são frequentemente negligenciados e esquecidos pelos pilotos e até pelos mecânicos.
Os pneus de avião são itens críticos para a segurança porque, além de suportar o peso da aeronave no solo, devem absorver grande parte do choque da aeronave com a pista, no pouso, acelerações e desacelerações súbitas e grandes variações de temperatura.
Pneus aeronáuticos têm pouco a ver com os pneus de carros e caminhões. Pneus de veículos terrestres são construídos para suportar cargas relativamente pequenas, mas continuamente e em longas distâncias. Requisitos como alta durabilidade e resistência ao desgaste são importantes na maioria dos veículos terrestres, enquanto fatores como aderência ao piso e flexibilidade são secundários, em razão da baixa velocidade alcançada por esses veículos.
Nos aviões, a resistência ao desgaste é secundária, enquanto a aderência e a flexibilidade são essenciais. Suportam cargas muito maiores que os pneus automotivos. Praticamente cem por cento dos pneus aeronáuticos são feitos de borracha natural, extraídos de seringueiras, enquanto a maior parte dos pneus automotivos é feita em borracha sintética, ou compostos de borracha natural e sintética.
Pneus de aeronaves, em primeiro lugar, suportam grandes variações de temperatura, especialmente em aeronaves a jato. Em grandes altitudes, suportam temperaturas que podem chegar a 55 graus negativos, em grande altitude, enquanto suportam temperaturas de mais de 80 graus positivos durante o pouso ou mais de 100 graus em uma rejeição de decolagem (RTO - Reject Take-off). Tais extremos geralmente são experimentados a cada voo, ou cada ciclo.
Essas variações extremas de temperatura criam um problema: o ar se expande fortemente com o aumento de temperatura, e poderia causar explosões dos pneus com o súbito aumento de temperatura no pouso ou em uma RTO. Esse problema é solucionado substituindo-se o ar pelo nitrogênio seco. O uso do nitrogênio também soluciona outro problema que o uso do ar tras às câmaras de ar, que é a oxidação interna da borracha das mesmas. O nitrogênio puro e seco se expande muito pouco com o aumento da temperatura, diminuindo o risco de explosões, e é pouco reativo quimicamente, eliminando o risco de oxidação interna. Desde 1987, os pneus de aeronaves de transporte comercial devem, obrigatoriamente, ser inflados exclusivamente com nitrogênio.
Um dos mitos mais propalados a respeito de pneus de avião é o que afirma que tais pneus são maciços, para suportar as grandes cargas e não correrem risco de explosão. Pneus maciços são impraticáveis, no entanto, a não ser para pneus de bequilha de aeronaves muito leves e de baixa velocidade. O atrito interno de um pneu maciço causaria grande aumento de temperatura em pouco tempo de rolagem no solo, o que degradaria a estrutura do pneus e causaria sua desintegração ou incêndio.
Estruturalmente, um pneu de avião não difere muito de um pneu automotivo: a parte que fica em contato com o solo é a banda de rodagem; os talões, reforçados com arames de aço, garantem a fixação do pneu à roda; as paredes laterais, muito flexíveis nos pneus aeronáuticos, e os ombros constituem a estrutura lateral do pneu.
A estrutura interna é constituída de várias camadas de lona cobertas com borracha. As bandas de rodagem incorporam, geralmente, uma ou mais camadas reforçadoras, tecidas em finos, mas resistentes, arames de aço ou em polímeros de grande resistência à tração, como o Kevlar. Uma espessa camada de borracha completa a estrutura da banda de rodagem e suporta grande desgaste, sem atingir as lonas.
As bandas de rodagem geralmente possuem desenhos simples, ao contrário dos pneus automotivos. O desenho mais comum é o raiado (Ribbed Tread), de uso recomendado em pistas pavimentadas e de grande resistência ao desgaste. Os pneus AWT (All-Weather Tread), com ranhuras dispostas em duas diagonais, eram muito usadas em pistas não pavimentadas, pois tinham características de autolimpeza, que removia barro acumulado nas ranhuras. Pneus lisos (Smooth Tread) chegaram a ser usados, especialmente em aeronaves de trem de pouso fixo, por serem mais aerodinâmicos, mas foram praticamente abandonados por terem péssimo desempenho em pistas contaminadas. Um quarto desenho combina características dos AWT e raiados (Grooved All-Weather Tread), e tem bom desempenho em qualquer tipo de pavimento, mas hoje seu uso é raro.
Pneus com câmara de ar são os mais comuns na aviação. Existem pneus sem câmara, mas tais pneus exigem rodas especiais, com vedação entre as suas partes por O-rings. Rodas de aviões são desmontáveis, ao contrário de rodas automotivas, e os pneus não são encaixados nas mesmas "à força", como nesses últimos. Os pneus sem câmara são virtualmente idênticos aos com câmara, mas possuem melhor vedação no talão, para evitar vazamentos.
Alguns pneus, especialmente os do trem de pouso do nariz, possuem defletores logo abaixo do ombro, chamados popularmente de "pestanas", que se destinam a evitar que a água lançada da pista pelos pneus atinja os motores. Tal recurso é comum em aeronaves que possuem motores na parte traseira, como os Cessna Citation e os antigos Sud-Aviation Caravelle.
Pneus de aeronaves são caros, podem ultrapassar US$ 5 mil a unidade, no caso de pneus de trem de pouso principal de um jato comercial. Como duram relativamente pouco, de 250 a 500 pousos, são recondicionáveis. Pneus de jatos comerciais podem ser recauchutados teoricamente por até 11 vezes, com grande economia para o operador., mas, na prática, uma carcaça geralmente é recauchutada, em média, por 5 vezes.
Tanto o processo de fabricação quanto o de recauchutagem devem ser certificados pelas autoridades aeronáuticas. No Brasil, a Goodyear é a única empresa certificada para recauchutagem de pneus de aeronaves. Pneus de aeronaves leves, devido ao seu baixo custo, raramente são recondicionados.
Pneus de aeronaves devem ser bem cuidados, tanto em uso quanto armazenados. Quando armazenados, devem ser armazenados em posição vertical e em câmaras escuras, pois a borracha natural sofre com corrosão fotoquímica, especialmente por raios ultravioleta, que dá um aspecto "ressecado" para o pneu e compromete sua durabilidade, que está limitada a, no máximo, 5 anos, em uso ou não. Outro poderoso agente corrosivo de pneus é o gás ozônio, presente em atmosferas poluídas e em locais onde estão instalados equipamentos elétricos de alta tensão. O uso de lâmpadas fluorescentes em locais de armazenamento de pneus deve ser evitado, pois sempre emitem radiação ultravioleta.
Em aeronaves armazenadas, alguns cuidados devem ser tomados: proteger os pneus com capas metalizadas e movimentar o avião frequentemente, para evitar o "achatamento" da banda de rodagem. Qualquer tipo de contaminação por combustível, óleo lubrificante e fluido hidráulico deve ser imediatamente removido com sabão neutro (sabão de coco ou, eventualmente, detergente doméstico de cozinha).
Em aeronaves em uso, o cuidado mais importante é manter a pressão correta dos pneus. Aeronaves leves usam pneus de baixa pressão, mas jatos comerciais usam pneus de alta pressão, em torno de 200 PSI. Aeronaves que operam em porta-aviões usam pneus com até 350 PSI em operações embarcadas. Procedimentos como a "sangria" de ar de pneus aquecidos, para aliviar a pressão, são totalmente desaconselhados.
Os pneus devem passar por inspeção pré-voo, verificando-se a pressão correta, se o pneu não está "corrido" (deslocado em relação à roda), se não tem desgastes inaceitáveis (sem sulcos ou com desgastes atingindo as lonas, por exemplo), ou defeitos diversos, como cortes profundos, bolhas ou "ressecamento", ou se não estão contaminados com fluido hidráulico, óleo lubrificante ou combustível.
Qualquer pneu, aeronáutico ou não, possui limite máximo de velocidade. No caso de jatos comerciais, tal limite está compreendido entre 190 e 205 Knots (352 a 378 Km/h). Pneus que sofrerem esforços e aquecimento excessivos, como em uma RTO entre 80 Knots e a V1, devem ser substituídos por segurança.
Aeronaves que decolam ou pousam em velocidades muito altas possuem pneus especiais. Os pneus do Concorde, por exemplo tinham a borracha impregnada com pó de alumínio, que lhes davam uma característica cor cinza, bem mais clara que o preto do pneus comuns. O aluminio, por ter melhor condutibilidade térmica que a borracha, facilitava a dissipação do calor.
Alguns tipos de pneus possuem um "fusível", que permite o esvaziamento lento do pneu em caso de superaquecimento. É um dispositivo de segurança, que evita a explosão do pneu em caso de RTO ou pouso com excesso de velocidade.
Pilotos devem se lembrar que pousos "chuleados", com impacto quase imperceptível no solo, provocam desgaste excessivo tanto nos pneus quanto nos freios, comprometendo a durabilidade de ambos. Um toque firme e seguro é a melhor solução, ainda que não arranquem aplausos de passageiros.
Outro cuidado a tomar com os pneus é na decolagem: Depois de taxiar por longos períodos, especialmente em tempo muito quente, é conveniente retardar um pouco o recolhimento do trem, para esfriar os pneus. Aviões que passaram recentemente por manutenção nos freios também merecem atenção. Já houve pelo menos um caso de uma aeronave, no caso um Boeing 727, que estava com os freios muito "justos", e que se aqueceram em demasia durante o táxi e a corrida de decolagem. Embora o alarme de fogo no trem tivesse soado, o trem foi recolhido, e os dois pneus de uma perna do trem explodiram dentro do alojamento, abrindo um buraco na asa tão grande que dava para passar uma pessoa por ele. O trem despencou, mas todas as conexões hidráulicas e elétricas foram destruídas, e os pilotos não sabia se o trem estava em baixo ou não. Mesmo sem os pneus, o trem estava travado embaixo e o pouso foi bem sucedido.
Como curiosidade, lembramos que pneus de aeronaves não são geralmente de grandes dimensões. O pneu do trem de pouso principal de um Boeing 737 possui aros de 19 a 21 polegadas de diâmetro, 40 a 44 polegadas de diâmetro total e 14,5 a 16 polegadas de largura, no talão. No Boeing 747, não são muito maiores, pois possuem dimensões de 22 polegadas de aro, 49 polegadas de diâmetro total e 19 polegadas de largura. Os pneus dos MD-11 são consideravelmente maiores (54 x 21,0 x 24 polegadas). Nas aeronaves leves, são muito comuns os pneus de 5 x 5 polegadas no trem de pouso auxiliar e 6 x 6 polegadas no trem de pouso principal (aro x largura).
Post Cultura Aeronáutica
JONAS LIASCH
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