“A Pirelli é italiana e vai continuar sendo.” Na última semana, esta frase se tornou uma espécie de mantra e foi incorporado ao vocabulário de funcionários de quase todos os escalões que transitam pelos corredores do suntuoso Il Grattacielo Pirelli, em Milão, onde fica o quartel general da fabricante de pneus. O coro foi puxado por ninguém menos que Marco Tronchetti Provera, CEO da Pirelli, na segunda-feira 23, logo após o anúncio da venda do controle da empresa para a estatal China National Chemical Corp. (ChemChina), do setor petroquímico e pneumático.
O valor da transação pode atingir até € 7,1 bilhões, levando-se em conta a oferta de € 15 por ação. Um autêntico negócio da China para quem obteve faturamento de € 6 bilhões em 2014. O negócio envolveu os chineses, o grupo financeiro Camfin e a poderosa Rosneft, o maior conglomerado de petróleo e gás da Rússia. A demonstração de apreço às raízes não é algo novo em se tratando de uma empresa europeia que sucumbe diante do avanço de forasteiros. Especialmente os oriundos da Ásia, que vêm aproveitando os momentos de fraqueza do euro, como o atual, para adquirir ativos do continente.
Foi assim com a sueca Volvo, que foi comprada pela americana Ford e anos depois foi repassada à chinesa Geely. “A Pirelli ganhou um acionista de maioria chinesa, mas seu cérebro e seu coração continuam na Itália”, disse Provera, em mensagem dirigida aos empregados. Por cérebro e coração entenda-se o quartel-general e o centro de Pesquisa e Desenvolvimento, respectivamente. Demissões também estão descartadas, para alívio dos cerca de 38 mil funcionários espalhados por todos os cantos do planeta. Se levarmos em conta a experiência das demais transações do tipo, a troca de controle não deverá alterar substancialmente o dia a dia da empresa.
“Provera recebeu carta branca para continuar agindo e ficará no posto até 2021”, contou uma fonte da subsidiária da Pirelli na América do Sul que pediu para não ter o nome revelado. O acordo também prevê uma espécie de “pílula de veneno” que, na prática, impede que os chineses tenham acesso à tecnologia que ajudou a transformar a Pirelli na quinta maior fabricante de pneus do mundo. Isso porque os chineses precisarão de 90% de votos favoráveis dos acionistas, caso desejem partilhar a tecnologia italiana. Pelo lado dos italianos, o acordo é visto como a chance derradeira de a marca, finalmente, avançar na China, o maior mercado automotivo do planeta e que deverá continuar crescendo de forma exponencial.
Mesmo ciente desta grandiosidade, a Pirelli só desembarcou por lá em 2005. Ao contrário dos italianos, a divisão da estatal ChemChina, a China National Tire & Rubber, é uma potência local e pode ajudar a virar o jogo em favor dos italianos. É que, hoje, a região Ásia-Pacífico, que inclui também o Japão, colabora com 10% das receitas da Pirelli. A maior fatia, 34%, é obtida na América do Sul, com destaque para o Brasil, onde a empresa é líder de mercado com participação de aproximadamente 35% e mantém quatro fábricas: Feira de Santana, na Bahia, Gravataí, no Rio Grande do Sul, Campinas e Santo André, ambas no Estado de São Paulo.
Estas unidades são vistas como um dos motores de crescimento da empresa no mundo. Prova disso é que elas vão receber R$ 1 bilhão de investimentos no período 2014-2016. A verba servirá para converter a totalidade da linha de produtos para a categoria Green. São pneus projetados para ajudar a economizar combustível, reduzindo as emissões de dióxido de carbono (CO2). Uma das estrelas deste portfólio é o pneu que usa sílica extraída da palha de arroz, em vez da areia. O processo produtivo foi desenvolvido no Brasil. Desde 2009 já foram comercializados um milhão de pneus, no mundo, com este composto.